[há pratos, mas falta apetite] Fome

A: Há pratos?
B: Sexo! Falta tempo...
A: Há sexo?
B: Há ricos? Há sempre. Só não há é tempo!
A: Mas o tempo não existe
B: O relativismo leva à nulidade.
A: O tempo é uma nulidade
B: Sim, se aceitarmos o seu contraste ou contrário. Se bem que uma coisa é diferente da outra. O tempo é uma construção e uma construção é o oposto de nulidade. Logo, não.
A: E a falta de tempo é uma desconstrução? Eu quero simplificar. Não quero construir, apenas responder. Quero ser o cão de pavlov, básico, básico, estímulo, resposta.
B: É por isso que uma coisa é diferente da outra, para simplicar. Se bem que Tzara acabou de retirar-me sentido. Ok! Se há pratos mas falta apetite podemos dançar a dança cigana dos pratos, cujo nome breve não me recordo; o cansaço fará com que tenhamos apetite. Há!
A: O cansaço cria apetite pelo repouso, e eu não danço deitado. Eu danço sozinho, danço nos meus pensamentos, aos quais não falta apetite. Mas tudo conflui na intenção, no moer das ideias até que elas deixem de ser ideias: são ideias sobre ideias. Inúteis ideias.
B: Então paremos de ter ideias! Fico triste.
A: Não, não! Estou negativo. Vou inverter. Eu quero dançar, quero pensar. Não quero é pensar sobre dançar, nem pensar sobre pensar. Quero dançar com o corpo, não com a mente. Esse é o meu problema. Fica feliz.
A: Fico feliz por teres um problema ou por continuarmos a conversa? Percebes, é isso - não faz sentido. E não há tempo. Porque é que o sexo tem que ser rápido?
B: Por continuarmos a conversa, não te julgo sádica. Percebo, mas vale a pena tentar. Tal como o sexo não tem que ser rápido, e mesmo assim isto não é uma questão de tempo.
A: Percebeste-me? Se é tão bom devíamos ter o tempo todo, o todo do tempo, a humanidade não devia saber outra coisa que não o prazer, o prazer de tudo, todo o prazer. Assim não repararíamos que existem pratos e falta apetite para lhes dar utilidade, vida.
B: Sim. Concordo. Mas e a eterna questão? Se só tiveres prazer será que ainda o desfrutas? Ou o prazer mais intenso não necessita também do seu contrário para existir, da dor, do tédio, da falta de apetite?
A: Se queremos saber o que não sabemos por que não experimentar? O problema é querermos mudar. Isso implica querermos olhar para trás.
B: O problema é a inevitabilidade do hábito, e o que isso acarreta (palavra feia). Pelo menos para alguns. O hábito corrói lentamente, e olhamos para trás.
A: O hábito de olhar para trás? Só pode. O problema é a memória. Não que ela seja um problema. E não é isso! O feio? Estamos a falar de pratos!
B: Esse é o hábito posterior, o que domina. Mesmo que tenhas sempre apetite, os pratos eventualmente partem-se. Aí podes sempre comer com as mãos, mas sujas-te.
A: Sim, tens razão. Se uma pessoa não tem fome é porque nunca passou fome.
B: Então a questão dos pratos é secundária. Estou com fome, bora ao mac.
A: A sálvia faz-te ler pensamentos! Precisamos de pratos? Não! Não há pratos, mas há apetite!
B: Que se mantenha assim.

[há pratos, mas falta apetite] cuspir


Dizem:
- Não cuspas no prato onde comes.
Digo:
- Vomita.

foto:kertesz
tema: "Há pratos, mas falta apetite"